1.o ENCONTRO

Nasci numa família católica, fui batizado ainda bebê, aprendi a rezar o rosário antes mesmo de aprender a ler e a escrever, fiz minha primeira comunhão aos 8 anos, fui crismado aos 15, casei-me na Igreja aos 23 anos, confesso mensalmente e vou à missa todos os domingos e dias de festa, com tão raras exceções que não me ficaram na memória. Rezo o terço diariamente, faço adoração ao Santíssimo toda quinta-feira à noite por uma hora, participo das missas do Sagrado Coração de Jesus toda primeira sexta-feira do mês e do Imaculado Coração de Maria no primeiro Sábado. Pago meu dízimo pontualmente, procuro ser bom esposo, pai e filho, e não guardar ódio em meu coração. Em suma, julgo ser um bom católico.
Sempre levei uma vida tranqüila, sem grandes sobressaltos ou experiências marcantes, em todos os níveis: familiar, profissional, social, esportivo, cultural, espiritual. Assim, aos 43 anos, surpreendi-me ao entrar num processo de angústia e depressão, questionando o sentido dessa minha vida rotineira e constante, excessivamente correta e dentro de todas as normas moralmente aceitas pela sociedade.
Certa manhã, pela primeira vez em toda a minha vida, resolvi faltar ao meu emprego, saí muito cedo de casa sem comunicar à minha esposa e caminhei a esmo pela cidade pensando em tudo e ao mesmo tempo em nada. Após muito andar, tive minha atenção despertada pelos sinos de uma igreja, anunciando o início da missa das 8 da manhã. Automaticamente, entrei na igreja e sentei-me num dos bancos laterais. Não sei qual leitura foi feita nem que Evangelho foi proclamado. Não me lembro de uma palavra sequer da homilia ou se houve homilia. No momento da Comunhão, sai de meu lugar, entrei na fila, recebi a Eucaristia e voltei para o meu lugar, ajoelhando-me como de costume, mas sem nada dizer ou pensar.
Foi para mim um verdadeiro choque quando senti no fundo do meu coração Jesus falar comigo, quase como se pudesse ouvir suas palavras ao meu ouvido. Cheguei mesmo a olhar para o lado para ver se alguém estava ao meu lado me chamando, mas não havia ninguém. A voz de Jesus continuava a me falar ao coração, arrancando do meu peito a dor que a angústia vinha-me provocando e proporcionando-me uma sensação de paz e de alegria como nunca sentira antes. Por fim, certo de que era Jesus me falando, resolvi responder a seu chamado.
— Estou aqui, Senhor! Que queres de mim?
— Quero falar-te, meu filho, pois estou preocupado contigo!
Surpreendi-me com aquela resposta.
— Mas, Senhor, por que só agora? Há tantos anos venho ver-te na Igreja e nunca me dirigiste uma palavra sequer!
Senti como se Jesus sorrisse para mim ao me responder:
— Como poderia falar-te se nunca o permitiste? O tempo todo em que estavas diante de mim ou comigo na Eucaristia não deixavas espaço para falar-te. Nunca fizeste um instante de silêncio para me ouvir. Só tu falavas, só tu pedias, só tu oravas. Nunca me deixaste orar para ti. Apreciei tanto tua companhia enquanto me adoravas todas as quintas-feiras à noite, mas não deixavas de lado aquele livrinho da Hora Santa um instante sequer. Quantas vezes tentei responder suas orações, mas não silenciavas para me ouvir! Aproveitei hoje a tua angustia e o teu silêncio para dizer-te que te amo.
Não sabia o que dizer a Jesus. Se agradecia seu amor ou se me desculpava pela maneira que sempre orara; se sorria pela suas palavras ou se chorava de emoção...
— Não precisas dizer-me nada! Só quero que saibas que te amo e estou contigo todos os dias de tua vida. Agora que teu coração está em paz, volta para tua casa, que tua esposa te aguarda ansiosa. Nos encontraremos na próxima Eucaristia... se me permitires falar-te.
Braços que não enxerguei abraçaram-me amorosamente e depois deixaram-me.
Foi o meu primeiro encontro com Cristo.

2.o ENCONTRO

No Domingo seguinte, fui ansiosamente com minha família à missa da manhã, na intenção de mais uma vez me encontrar e conversar com Cristo.
Chegando à Igreja, chamou-me a atenção um grupo de mendigos, que todos os dias ficam à entrada pedindo esmolas. Jamais lhes dei alguma coisa, pois sempre os julguei parasitas sociais que pegariam minha esmola e correriam para o primeiro bar a fim de se embriagarem. Naquele Domingo, porém, ao vê-los, abri minha carteira e distribui alguns trocados entre todos. Minha família, que nada sabia do meu encontro com Cristo, olhou-me com espanto; minha esposa, inclusive, tentou puxar-me pelo braço, mas nada conseguindo, foi entrando com nossos filhos, deixando-me sozinho.
Fiquei pensando comigo: “Jesus está vendo este meu ato de bondade e, com certeza, há de se alegrar comigo! Isso contará para a minha salvação!”
Entrei na Igreja sem olhar para ninguém, juntei-me à família e participei o mais piedosamente possível da missa, que pareceu estender-se mais do que nunca. Finalmente, chegou o momento da comunhão, fui para a fila, comunguei, voltei para meu lugar, ajoelhei-me e disse mentalmente para Jesus:
— Eis-me aqui, Jesus. Fala que eu te escuto.
E permaneci em silêncio, de olhos fechados, aguardando. Depois de alguns instantes, senti Jesus falar comigo.
— Obrigado, meu filho, por vir mais uma vez encontrar-se comigo.
— Fiquei o resto da semana aguardando ansiosamente este momento, Senhor!
— Eu sei. Também ansiei por este encontro. Vejo que a paz permaneceu em teu coração!
— Sim, Jesus, depois daquele nosso primeiro encontro, desapareceu de meu coração aquela angústia que me atormentou por dias. Obrigado por me ajudar!
Senti, como daquela primeira vez, que Jesus me sorria.
— Quando a humanidade entenderá que eu só posso estar feliz quando todos os que o Pai me confiou estiverem felizes. O teu menor sofrimento é também meu sofrimento. O menor dor de teu irmão é também a minha dor.
Lembrei-me da esmola que dera na entrada da Igreja e disse a Cristo:
— Hoje eu dei esmolas para todos os mendigos que ficam na entrada da Igreja. O Senhor ficou feliz com essa minha atitude?
Jesus demorou-se alguns segundos até responder.
— Essa esmola deixou tua consciência bem tranqüila, não é mesmo? Achas que devo computar esse teu ato no livro da tua salvação?
— Espero que sim, Senhor! — respondi quase que imediatamente.
— Ah, meu filho querido! Como a humanidade desvirtuou o sentido das minhas palavras...!
Percebi certa tristeza e até decepção nessas palavras de Jesus.
— Não entendo, Senhor! Não nos pedistes para que déssemos esmolas aos pobres? Deverias alegrar-te com minha ação!
— Meu filho, meu filho! Parece-me que só os primeiros cristãos perceberam o sentido das minhas palavras. Nunca dê esmolas para agradar o teu coração e procurar tua salvação: é puro egoísmo e não um ato gratuito de fé e de amor. Lembro que meus primeiros seguidores davam esmolas para fazer justiça num mundo injusto: a esmola era um sinal do Reino de Meu Pai neste mundo. Eles davam esmolas para tornar este mundo mais justo e não para se salvarem! Procura, meu filho, agir como eles agiam.
Fiquei sem saber o que dizer. Por fim, disse ao Senhor:
— Mas Jesus... Eu aprendi dessa maneira que fiz. Ninguém nunca ensinou-me de maneira diferente... dessa maneira que me ensinas agora...
— Por isso eu disse que a humanidade desvirtuou minhas palavras. Medita este ensinamento, meu amado filho, e vá transformando teu coração. A missa já está terminando. Vá em paz, que eu estarei sempre te acompanhando. Até nosso próximo encontro!